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11.7.17

Defender a Cassi e os direitos dos associados é como o Mito de Sísifo



(atualizado às 9h12, de 11/7/17)



Opinião

"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...


(Tempo Perdido, Legião Urbana)


Olá prezad@s associados e participantes da Cassi e companheir@s de lutas!

Iniciamos mais uma semana de gestão e lutas em defesa dos direitos dos associados da Cassi, em defesa da autogestão Cassi, em defesa do Plano de Associados da Cassi, em defesa da participação social na Cassi.

Passei o dia pensando na melhor forma de falar a respeito do que tenho vivido na gestão da nossa Caixa de Assistência e do que tenho tentado alertar em relação ao que vem por aí. Não é fácil!

Fui ler a respeito do Mito de Sísifo - por enganar os deuses e fugir da morte ele foi condenado a empurrar uma pedra montanha acima e ela rolar para baixo e ele ter que recomeçar o tempo todo -, e achei que é mais ou menos isso que enfrentamos há três anos, em nosso trabalho de defender os direitos dos associados e a própria autogestão Cassi.

Quando cheguei à gestão em 2014, havia um senso comum de que a nossa entidade seria mal gerida e ineficiente no uso dos recursos. O modelo assistencial de Atenção Integral à Saúde, Atenção Primária (APS), ESF, CliniCassi vivia sendo questionado pelo patrocinador Banco do Brasil e por parte das lideranças dos associados. Havia um déficit antigo no Plano de Associados e não se estudava os porquês.

Hoje temos estudos na Diretoria de Saúde e Rede de Atendimento que mostram que o modelo assistencial é responsável pela Cassi utilizar melhor os recursos da entidade na compra de serviços de saúde na rede prestadora quando comparamos a despesa assistencial do grupo de pessoas vinculadas a ESF à de pessoas nunca cuidadas por nós na ESF. A economia com internações chega a 30%. A despesa assistencial da Cassi cresceu menos em 2016 que as despesas das demais operadoras de saúde mesmo comprando os mesmos serviços.

Quando chegamos em 2014 tudo se justificava com lugares comuns, estereótipos, com aquilo que hoje chama-se pós-verdade, ou seja, se o emissor da opinião ou versão tiver mais poder de imposição daquela opinião, pouco importa a verdade factual. Há uma certa facilidade em se falar mal da Cassi por parte de vários atores do processo.

O primeiro texto que comecei a fazer hoje, e interrompi, já começava a ficar extenso. Também pudera, não se pode falar de questões tão complexas, técnicas e com disputa de versões de forma simplista, porque estamos lidando com a questão da saúde e quem paga a conta por ela. É um tema de disputa entre capital e trabalho. Não há inocência, não há neutralidade, não há decisões somente "técnicas" nesta área que nos colocaram para representar centenas de milhares de trabalhadores associados e seus dependentes.

As decisões mais fáceis, mais simples, até mascaradas com argumentos técnicos, são as decisões que vão prejudicar os trabalhadores associados que eu represento na gestão. Todo dia temos que percorrer o caminho mais difícil, enfrentar as hegemonias, os lugares comuns. É por isso que nosso trabalho é parecido com o Mito de Sísifo. É um eterno recomeçar na defesa dos interesses daqueles que representamos.

Eu não vou poder me alongar porque ainda estou estudando a pauta gigante da reunião de Diretoria Executiva desta terça 11. Mas vou dar algumas dicas de tudo que vem por aí.

Nós contribuímos ao chegar à gestão para que o Banco do Brasil não impusesse o ônus somente aos associados como "solução" do déficit do Plano de Associados. A história dessa luta é pública e ao final de 2 (dois) anos de pressão, unidade e mobilização, o Memorando de Entendimentos foi assinado com as duas partes colocando recursos extraordinários na Cassi. Todas as entidades representativas da mesa sabem que só a entrada de recursos até 2019 não é suficiente, sem ampliar o modelo assistencial e sem haver investimentos nas atividades fim. Aliás, NÃO houve reposição das reservas livres do Plano, ou seja, se houver déficit até na sazonalidade, vamos fazer o que? Voltar com as propostas do Banco que rejeitamos?

Nós trouxemos de volta a importância da defesa do modelo de custeio solidário mutualista intergeracional (o quem paga a conta) e todos à época compreenderam que sem ele, os participantes serão expulsos do Plano de Associados por não conseguirem pagar na hora que mais precisarem. Os idosos e aposentados não conseguiriam arcar com suas despesas assistenciais sozinhos.

Nós explicamos que a Cassi precisa ampliar sua estrutura própria de saúde, baseada na Atenção Primária e ESF, para utilizar de forma mais racional os recursos da Caixa de Assistência na compra de serviços na rede prestadora, com preços cada dia mais impagáveis por diversos motivos de mercado e legislação, e explicamos que a Cassi não tem muitas alternativas para alterar sua relação com o mercado privado de saúde. Inclusive por causa de seu tamanho, somos "grande" como autogestão, mas "pequena" como operadora que compra serviços.

Nós produzimos muita, mas muita informação nestes 3 anos sobre a Cassi, sobre nosso modelo assistencial, sobre as autogestões, sobre os direitos sociais dos bancários, e tudo isso principalmente para as entidades sindicais e representativas e para os conselhos de usuários, e suas lideranças. Isso porque temos a leitura que não falamos com a massa, falamos com suas lideranças.

Quem fala com a massa são os meios de comunicação dos empresários, quem fala com a população, incluindo os bancários da ativa e aposentados, são os donos dos meios de comunicação, não somos nós que representamos os associados da Cassi. Aliás, saúde das pessoas é negócio, é mercadoria, o setor movimenta mais de 150 bilhões de dinheiros. Então, não há inocência na relação entre o mercado que vende serviços de saúde e aqueles que compram, ou seja, os planos de saúde e seus usuários (donos, no caso da autogestão Cassi).

A ANS suspendeu a entrada de novos participantes nos planos da Cassi por causa de determinado número de reclamações por trimestre. O principal plano é dos trabalhadores do Banco do Brasil, e ele não é comercial, é coletivo empresarial fechado e quem aponta os novos associados é o próprio Banco. Já disse tanto para os indicados do BB na gestão quanto para as entidades dos bancários que acho que o órgão regulador não está "protegendo" os usuários de planos ao fazer isso (a suspensão). Na minha opinião, a ANS está prejudicando e muito os bancários novos do BB que vierem a ser contratados. A Cassi precisa ser defendida!


Sísifo, de Tiziano Vecellio, 1548-1549.
Wikipedia.
Após todo o debate que fizemos entre 2014 e 2016 em defesa dos direitos dos associados da Cassi, vai voltar toda a carga de pautas por parte do patrão Banco do Brasil neste próximo período. Na minha leitura, isso se dará, inclusive, com a chegada da consultoria contratada por ele, para que se aumente o ônus do custo da saúde (e doença) para os associados e não para o Banco. Além de sugestões de governança para desequilibrar mais ainda o poder interno entre áreas afetas ao Banco e áreas afetas aos eleitos pelos associados. E novamente, pode ser que tenha gente do nosso lado defendendo as teses contra si mesma.

Quebrar a solidariedade e cobrar mais por dependentes só onera o associado e não o patrão; criar franquia para internação só onera o associado e não o patrão; aumentar as coparticipações só onera o associado e não o patrão; suspender qualquer programa de saúde na Cassi e deixar os associados com adoecimentos e doenças crônicas à própria sorte só onera eles e não o patrão.

Quando aparece um déficit no Plano de Associados, a primeira coisa que se propõe internamente na gestão são soluções "técnicas" e sem necessidade de mudança estatutária e nós já conhecemos quais são elas por parte do patrão. A Cassi está com seu modelo de promoção de saúde e prevenção de doenças, APS e ESF, sem investimento em ampliação há anos. É uma coisa louca, porque a legislação não obriga a se investir em Atenção Primária que descobre doenças crônicas e permite tratá-las. Se não é lei, na contingência: corta. Mas os agravamentos das doenças crônicas, infarto, AVC, aneurisma etc, com alto custo de salvamento e pós salvamento, não tem como cortar porque é lei. É louco isso! Não posso ampliar algo com custo de investimento pequeno, mas sou obrigado a pagar na rede prestadora o alto custo de não ter feito Atenção Primária. Vai explicar isso para os "cabeça de planilhas".

De onde vem os recorrentes déficits da Cassi? A resposta é multifacetada, tem diversas origens e responsáveis. Além dos fatores do mercado, que são conhecidos pelas lideranças dos associados, o patrocinador BB também tem sua cota de culpa, depois de alterar a base da receita da Cassi nos anos noventa congelando salários por anos, reduzindo o interstício do PCS de 12% para 3%, acabando com o anuênio, enfim, esses fatos foram responsáveis pelo déficit por muito tempo. Quem menos tem responsabilidade no déficit são os associados e participantes.

A comunidade Banco do Brasil parece não conseguir ficar livre de sua cota do Mito de Sísifo. Depois de tudo que ocorreu nos anos noventa, o Banco voltou a crescer neste início de século 21, voltou a contratar e fazer seu papel social, por mais acanhado que tenha sido. Ao voltar a enxugar o quadro, reduzir o salário de milhares de trabalhadores, descomissionar e não realocar todo mundo, fechar centenas de agências, terceirizar sua atividade fim, o Banco está novamente afetando a base da receita do Plano de Associados. E a história mostra que na hora de pagar a conta de eventual déficit da Cassi, é sempre a lógica de querer onerar os associados e ou retirar direitos em saúde.

Tem diversas outras questões que vão voltar à pauta. Diversas. 

O que mais cansa o nosso trabalho de Sísifo não é ver o desconhecimento técnico e político dos milhares de associados e participantes da Cassi no momento de necessidade de atendimento na rede prestadora de serviços de saúde (às vezes, com pedidos questionáveis para liberação) porque eles não têm obrigação de saber tudo o que já partilhamos de conhecimento com as lideranças e suas entidades. Cansa ter que recomeçar quase do zero com lideranças do nosso lado o tempo todo.

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"Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente..."

(Tocando em frente, Almir Sater)

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Abraços aos leitores resistentes que chegaram até o fim do artigo.

William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento (mandato 2014/18)

2 comentários:

Artur de Carvalho disse...

Gostei muito da exposição e argumentação! Penso que a pedra de Sífiso vai pesando sempre mais, à medida que a Receita(%salariais) não acompanha o custo da Saúde(Mercado).
Abraço.

Unknown disse...

Parabéns Willian pela análise apresentada. Obrigado pelas informações. Continue firme na defesa da Cassi e dos associados, em especial dos aposentados.